Mundo
unido, pela educação
Por Luiz Antonio
Magalhães
Desde sua fundação em 1974, United World Colleges
selecionam alunos do Santa Cruz e
reforçam a identidade de seus projetos de educação,
voltados para o entendimento entre
os povos e comprometidos com a paz mundial.
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Estudantes
de diferentes países são selecionados para os dez colégios
do UWC espalhados pelo planeta. |
Exatamente uma década
após o padre canadense Lionel Corbeil fundar o Santa Cruz em São
Paulo, um alemão de origem judaica inaugurava, em 1962, no País
de Gales, o Atlantic College, embrião do movimento United World
Colleges. Anos depois, as histórias dos imigrantes e educadores
Kurt Hahn e Lionel Corbeil acabaram se cruzando com a trajetória
do primeiro-ministro canadense Lester Bowles Pearson.
Quando deixou o governo do Canadá, em 1968, Pearson estava entusiasmado
com um projeto educacional que conhecera do outro lado do Oceano Atlântico.
Prêmio Nobel da Paz em 1957 pelos progressos obtidos nas negociações
que comandou para o envio de uma força de paz ao Canal de Suez,
Pearson era um homem preocupado com o entendimento entre os povos. Entre
1968 e 1972, ano em que veio a falecer, Pearson trabalhou para transplantar
os ideais e práticas que observou no Atlantic College de Kurt Hahn
para uma nova unidade, agora no Canadá.
Com a inauguração em 1974 do colégio que levou o
seu nome, o desejo de Leaster B. Pearson acabou transformando o projeto
de Kurt Hahn de educação voltada para o entendimento internacional
e para a paz em um movimento mundial. Nascia ali o que é hoje o
United World Colleges, com suas 10 unidades espalhadas pelo planeta.
O principal atrativo do projeto sonhado por Kurt Hanh é justamente
o seu caráter multiétnico. Hoje, a rainha Noor, da Jordânia,
e o ex-presidente da África do Sul, Nelson Mandela, estão
à frente da associação que mantém os United
Word Colleges. O primeiro presidente foi Earl Mountbatten, membro da ONU,
sucedido em meados dos anos 70 pelo príncipe Charles, herdeiro
da Coroa Britânica. O crescimento dos UWCs não foi rápido,
mas constante. Em 1975, uma escola internacional de Cingapura, que já
mantinha desde 1971 uma relação formal com o colégio
do Atlântico, tornou-se a terceira integrante do movimento. Seis
anos depois, em 1981, foi fundado o Waterford Kamhlaba UWC of Southern
Africa, na Suazilândia. Em 1982, mais dois colégios passaram
a integrar o movimento: o colégio do Adriático, em Duino,
vilarejo italiano onde Rilke escreveu as célebres Elegias, e o
Armand Hammer United World College of the American West, nos Estados Unidos.
No final dos anos 80, surgiu o único projeto do movimento voltado
para um ramo específico do conhecimento - o colégio agrícola
Simon Bolivar, na Venezuela. Na década de 90, foram três
novas escolas: em 1993, o Li Po Chun, em Hong Kong; em 97, o Red Cross
Nordic, na Noruega; e, finalmente, em 1997, o Mahindra United World College,
na Índia.
Em setembro de 1974 dois alunos do Santa Cruz, selecionados pelo padre
Lionel Corbeil e por Mr. Trevor Green, então presidente da Souza
Cruz, desembarcaram no estado canadense de Vancouver, na costa leste,
onde completariam, dois anos depois, o que no Brasil ainda se chamava
curso colegial. Rudolf Nugent, falecido, e Mario Masagão Neto foram
os representantes brasileiros da primeira turma do Leaster B. Person UWC
of the Pacific e, portanto, os primeiros brasileiros a participar formalmente
do projeto United World College. Antes, cerca de uma dezena de estudantes
brasileiros cursaram o colégio do Atlântico - o primeiro
deles, na turma inaugural, foi o deputado federal Marcos Cintra.
De 1974 para cá, as histórias de Santa e de UWC se misturam
nas memórias de 31 ex-alunos dos dois colégios. O advogado
Marcelo Calliari entrou no Santa em 1977 e foi selecionado para a unidade
norte-americana do UWC em 1982. Para ele, há diversos pontos coincidentes
entre Santa Cruz e os UWCs. Concebido durante os anos de Guerra Fria,
o United World College se tornou realidade a partir de meados dos anos
70. Até a queda do Muro de Berlim, em 1989, 7 dos 10 colégios
já estavam operacionais. Neste mesmo período, o padre Paul-Eugène
Charbonneau trabalhava no Santa para sedimentar os alicerces filosóficos
que de certa forma até hoje permeiam o colégio. Charbonneau
chegou ao Brasil em 1959, se tornou vice-diretor em 1965 e foi a principal
referência educacional do Santa Cruz até 1987, quando faleceu.
À primeira vista, pode parecer um disparate que dois padres católicos
canadenses tenham tanta coisa em comum com um judeu alemão que
pregava o entendimento de jovens de todo o mundo para propagar a paz.
Mas as semelhanças existem, e não são poucas.
 
Internos,
alunos exercitam convivência nas atividades mais cotidianas,
como o almoço. Além de grande preparo acadêmico,
o compromisso com a paz exige mobilização. |
O legado de Corbeil,
Charbonneau e Hanh são escolas que procuram proporcionar, cada
qual ao seu modo, uma visão crítica e humanista do mundo
em que vivemos. Calliari observa que os dois projetos também trabalham
com a realidade concreta de promover esses ideais entre uma elite de jovens.
O UWC seleciona criteriosamente os alunos e, uma vez formados, os incentiva
a constituir uma comunidade que, no retorno a seus países de origem,
dá seqüência aos anos vividos nos colégios e
forma associações de ex-alunos para disseminar os ideais
apreendidos e tentar fazer deste planeta um lugar melhor para se viver.
No caso do Santa Cruz, essa comunidade se dá de maneira informal,
mas não menos importante, por meio das relações sociais
entre os ex-alunos e até da continuidade de uma vida ligada ao
colégio na condição de pais de novos alunos.
Hanh e Charbonneau têm, em particular, outro ponto em comum. Os
dois foram grandes entusiastas da atividade física entre os jovens.
Ex-jogador de hóquei, de futebol e amante do boxe, o padre canadense
sempre incentivou seus alunos a praticar esportes. Hanh, por sua vez,
foi mentor do Outward Bound, movimento surgido nos anos 40 que introduzia
programas de atividades físicas na educação formal.
Também existem, é claro, diferenças entre as duas
instituições educacionais. Algumas delas óbvias,
como o fato de o Santa Cruz ser uma escola católica. Já
os laicos UWCs são colégios internos, onde cerca de 200
estudantes de mais de 100 diferentes países passam 2 anos em um
esquema que mistura um forte programa acadêmico - além do
International Baccalaureate, diploma reconhecido internacionalmente, os
alunos acompanham um curso de Teoria do Conhecimento e têm de escrever
uma monografia - com a obrigação de participar de atividades
físicas, artísticas e de serviço social. A maior
parte dos campus dos UWCs fica isolada das comunidades vizinhas, enquanto
o Santa está plenamente integrado na vida da cidade de São
Paulo. Nos United World Colleges, quase a totalidade dos alunos recebem
bolsas de estudo integrais.
Semelhanças e diferenças à parte, é bom lembrar
aos atuais estudantes do Santa Cruz que tenham se interessado em se tornar
ex-alunos também de um dos United World Colleges que a seleção
ocorre no início do segundo ano do Ensino Médio. Mais informações
podem ser obtidas no site: www.geocities.com/uwcbrasil.
Luiz Antonio Magalhães
é jornalista e ex-aluno do Santa Cruz (1986/87) e do United World
College of the Adriatic (1987-89).
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