ÉPOCA DE TERROR
Marina Pikman
Caminhava lentamente pela Paulista. O céu estava nublado, a garoa batia levemente no meu rosto. Cansado, pensava sobre coisas bobas da vida.
De repente, senti uma mão pousar suavemente sobre meu ombro. Quando me virei, vi uma mulher de aproximadamente cinqüenta anos, com belos traços. Não a reconheci de imediato. Ela me abraçou com força. Foi aí que senti aquele tão conhecido perfume de alfazema.
Era Letícia! Mas que surpresa! Mal cabia em mim de felicidade quando a reconheci.
Que grande mulher ela é! Conheci-a na faculdade. Por volta dos anos 70. Tinha uma inteligência e um carisma fora do comum. Engajada politicamente, reunia-se semanalmente com amigos, incluindo eu, para discutir sobre grandes pensadores, organizar passeatas, numa época em que as pessoas começavam a se revoltar contra a ditadura.
Ela liderava uma série de movimentos que lutavam pela liberdade. Fascinava-me seu poder de liderança. Movia massas com suas palavras que tocavam o coração de todos e despertavam um sentimento de revolta em cada um.
Apaixonei-me por ela no dia em que a acompanhei numa passeata no centro de São Paulo. Letícia gritava com fervor, sedenta por liberdade. Era como se sua vida dependesse daquele ideal que buscava.
A multidão seguia, ao mesmo tempo que entusiasmada, indignada, até que se ouviu um grande estrondo que soou como um trovão e silenciou a todos, despertando-me do meu transe.
A polícia avançou com seus cassetetes ferozmente, junto aos seus enormes pastores-alemães.
Em meio à confusão, dois brutamontes agarraram Letícia, que se debatia furiosamente, e a levaram para dentro do camburão.
Foram cinco meses difíceis para ela. Sofreu agressões corporais, passou fome, temi até que ela ficasse louca dentro daquela prisão.
Acompanhei de perto o drama familiar. Seus pais temiam que ela desaparecesse, o que aconteceu com muitos nessa época. Eu me torturava diariamente pensando nas aflições que Letícia estava sofrendo.
Movi céus e terras, durante sua ausência, para tirá-la daquele lugar. Após me utilizar de tudo ao meu alcance, consegui que um pai influente de um amigo a libertasse, com a condição de que ela saísse do país.
Isso era um absurdo! Uma criatura tão vigorosa, que pregava mais do que tudo a liberdade, além de ter passado vários meses trancafiada, ainda teria que abandonar sua pátria que tanto amava! Mas não havia outra maneira.
Encontrei-me com ela uma última vez antes de partir para o Paraguai. Estava magra até os ossos, tinha olheiras profundas. Parecia que anos de sua juventude haviam se dispersado naquele período de meses.
Ela se foi e eu nunca mais a vi.
A mulher beijou meu rosto, acordando-me daquele instante de hipnose. Deu-me seu telefone e me pediu que ligasse.
Saiu andando e me deixou lá, estarrecido, pensando no que acontecera.