Gênero: Discurso público e diário
Tema: Análise crítica e criativa do filme Queimada



A análise crítica e criativa do filme Queimada (1969) será desenvolvida em duas partes, ambas situadas na noite anterior ao enforcamento de José Dolores, no desfecho do enredo.

Texto 1 (valor 5,0) – discurso público
Supondo que José Dolores saiba escrever e que tenha a esperança que suas últimas palavras cheguem a seu povo, formule seu discurso final, que avalie sua trajetória, que resuma sua aprendizagem, sua luta, seus ideais e suas convicções finais.
Lembre-se, no discurso, de demarcar a intenção persuasiva e de defender um ponto de vista.

Texto 2 (valor 5,0) – anotação de diário
Após sua primeira passagem por Queimada, Sir William parece não ter se readaptado à “civilização britânica”. No filme, esse desajuste é retratado por seu envolvimento em brigas, por sua expulsão de um clube social e pelo fato de residir em bairro periférico.
Quando é convocado a voltar a Queimada, sua motivação e suas convicções já não parecem as mesmas. Visivelmente abalado, talvez arrependido de suas decisões, não consegue dormir na noite em questão.
Imaginando que Sir. William mantenha um diário pessoal, formule a anotação daquele dia, que expresse seus sentimentos, que retome e avalie suas ações e sua vida. Tenha em mente o conflito moral vivido pelo personagem, que talvez perceba ter podido resistir ao papel histórico (de “instrumento” desse sistema) que alguém – mas não necessariamente ele – teria que desempenhar.

As transcrições a seguir foram selecionadas como orientação geral dos argumentos, comparações e da seqüência dos acontecimentos do filme. Utilize-as como referência de criação, sem copiá-las mas parafraseando o teor de suas idéias.


Na verdade, a Inglaterra quer o mesmo que vocês: liberdade de comércio, dos homens e da dominação estrangeira. O que a Inglaterra não quer é que estas revoluções sejam levadas às últimas conseqüências. Homens como José Dolores podem agravar a situação, como aconteceu no Haiti, por exemplo. Como vêem, no momento, nossos interesses coincidem. E coincidem também com progresso e civilização. Para os que acreditam nela, ela é importante.

Sir William Walker, o inglês, em jantar com líderes que tramam a independência da ilha

 

— Se pedisse a você para começar uma revolução, você não iria entender. Roubar um banco, sim, era possível que entendesse. Primeiro teve que aprender a matar para se defender. Depois, teve que matar para defender os outros. O resto foi conseqüência.
— E a Inglaterra? Qual a participação dela nisso?
— Portugal é inimiga da Inglaterra. Se os navios ingleses não estivessem aqui, os portugueses já teriam voltado.

diálogo entre Sir William e José Dolores, após a proclamação da independência da ilha


— Quem vai governar sua ilha, José? Tocar a indústria? Cuidar do comércio? Quem vai curar os doentes? Ensinar nas suas escolas? (...) A civilização não é uma questão simples. Não se aprendem os segredos da noite para o dia. Hoje a civilização pertence aos brancos. E você tem de aprender a usá-la. Sem isso, não poderá ir adiante.
— Mas ir para onde, inglês? (...) Pode dizer aos brancos que meus homens vão depor as armas e voltar para as plantações. Mas pode dizer-lhes para ter cuidado, muito cuidado. Eles podem saber como vender o açúcar, mas somos nós que cortamos a cana.

diálogo entre Sir William e José Dolores, fim dos primeiros conflitos

 

Eu vou explicar, cavalheiros. É muito comum, entre um período histórico e outro, que dez anos mostrem ser tempo bastante para revelar contradições de um país inteiro. Em geral, temos que entender que nosso julgamento, nossas interpretações e até mesmo nossas esperanças podem estar erradas.

Sir William Walker, em reunião do governo da república de Queimada

 

José Dolores disse que o que temos em nosso país é uma civilização dos brancos e que é melhor sermos não-civilizados, pois é melhor sabermos onde ir e não sabermos como do que sabermos como e não termos para onde ir. Depois, ele disse que se um homem trabalha para alguém, ele se chama trabalhador mas continua sendo escravo. Isso nunca vai mudar pois existem os donos da terra e os donos do facão que corta a cana. Depois disse que devemos cortar cabeças ao invés de cana.

Martino, aliado de José Dolores

 

Você sabe por que a ilha se chama “Queimada”? Porque já foi queimada uma vez, para vencer a resistência do povo. Depois, os portugueses exploraram pacificamente a ilha por quase 300 anos. Sabe que o fogo não atravessa o mar, senão apaga. Mas certas idéias viajam com a tripulação. Deveria saber quantas ilhas a companhia explora e o que aconteceria se o exemplo de Dolores chegasse a essas ilhas. Shelton, eu não sei ao certo o que estou fazendo aqui. Dinheiro é importante mas não sei por que aceitei. Talvez seja pelo prazer pessoal ou talvez porque não saiba fazer outra coisa. Mas quando tenho que fazer algo, tento fazer bem-feito.

fala de Sir William a Sir Shelton, representante da Cia. Açucareira das Antilhas

 

José Dolores teve uma história exemplar. No começo, ele não era nada, apenas um carregador. E a Inglaterra fez dele um líder revolu
cionário. Quando não servia mais, foi colocado de lado. Depois, o ressuscitaram mais ou menos em nome dos mesmos ideais que a Inglaterra lhe ensinou. Depois, a Inglaterra decide eliminá-lo. Não acha que é uma pequena obra de arte? (...) Eu não sou o artista, sou apenas o instrumento.

fala de Sir William a um comandante inglês

 

Não, não é verdade que o fogo destrói tudo. Sempre restará vida se restar um pouco de grama. Como os brancos me pegaram? Como podem ganhar no final? Os brancos sempre existirão. Depois nascerão outros. Depois outros que vão começar a entender. E, no final, até vocês vão entender. E, no final, os brancos vão ficar enfurecidos com vocês. Podem esperar. Quando os amigos deles acabarem, a besta enfurecida vai correr pela última vez, perseguida e caçada por toda a ilha. Haverá um grande incêndio. E os grunhidos dessa besta se transformarão em um grito de liberdade. Um grito que será ouvido longe, muito além desta ilha.

José Dolores fala aos soldados que o aprisionaram

 

— De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, me matarão.
— Talvez não, general. Talvez o deixem viver.
— Vão me deixar viver se for conveniente para eles. Se for conveniente para eles, para mim é conveniente morrer.
— Por quê?
— Porque nunca deixam viver. Só quando querem uma isca ou uma caça viva numa gaiola.
— Mas, depois de algum tempo, podem libertá-lo.
— Não, meu soldado. Não é assim que funciona, meu amigo. Se alguém lhe dá liberdade, não é liberdade. Liberdade é algo que você conquista sozinho.

diálogo entre José Dolores e soldado que o conduz à prisão

 

— Está livre, fuja! Você não perde nada, não renuncia a nada. Seu tempo está acabando. Por quê? Que bem isso faz? O que isso significa? É algum tipo de vingança? Mas que tipo de vingança é esta se você estiver morto? Eu não sei, José. Isso parece loucura. Por quê?
(...)
— Inglês! Lembra do que você me disse? A civilização pertence aos brancos. Mas que civilização? Até quando?

diálogo final entre Sir William e José Dolores, antes do enforcamento