Gênero: Cena narrativa
Tema: Falha de comunicação



TEXTO INTRODUTÓRIO

Em uma situação comunicativa, em que há interação do falante com o interlocutor e circulação de mensagens, diversos elementos determinam a significação desse ato. Temos um emissor que constrói um texto, o texto (mensagem) e um destinatário, a quem o texto é destinado. Para construir a mensagem o emissor precisa saber sobre que assunto vai se manifestar (referente), que sistema de códigos vai utilizar (código) e por que meio vai fazer chegar a mensagem (canal) ao destinatário.

Entretanto, além de se ter clara a necessidade desses elementos para que ocorra a interação, sabe-se que o ato comunicativo é um ato social, ou seja, concretiza as diversas manifestações cotidianas e culturais por meio da interação de indivíduos via linguagem. É um ato carregado de intencionalidade e sujeito a ruídos que perturbam a compreensão da mensagem. Tais ruídos podem incidir em qualquer um dos elementos da comunicação; por exemplo, o receptor não possui conhecimento prévio acerca de determinado referente, ou assunto; ou ainda, o canal sofre alguma interferência (uma música que se sobrepõe à conversa, dificultando-a).

Em resumo, de um lado, há um falante que, ao emitir sua mensagem e posicionar-se por meio dela, escolherá um assunto, um código e suas possíveis combinações, o meio pelo qual ela chegará ao outro. Isso tudo para que sua mensagem tenha efeito sobre o outro, aja sobre ele; afinal, por trás de cada mensagem sempre há uma intenção. De outro, temos o destinatário, ou melhor, o interlocutor, aquele que, no final, construirá sentido para ela. Para tanto, ele terá de não só decifrar o código, mas atribuir significados a partir de sua competência de leitura e da relação com seus conhecimentos prévios, sua ideologia, cultura, contextualização etc.
Nesse sentido considere o seguinte esquema:


Considere esse esquema, bem como as funções da linguagem associadas a cada um dos elementos da comunicação: emissor, receptor, referente, mensagem, código, canal (função expressiva; função conativa ou apelativa; função referencial; função poética; função metalingüística e função fática, respectivamente). A seguir leia com atenção a proposta de produção textual:

COLETÂNEA DE TEXTOS

TEXTO I

“Enfim o que fosse acontecer, aconteceria. E por enquanto nada acontecia, os dois não sabiam inventar acontecimentos. Sentavam-se no que é de graça: banco de praça pública. E ali acomodados, nada os distinguia do resto do nada. Para a grande glória de Deus.
Ele: – Pois é.
Ela: – Pois é o quê?
Ele: – Eu só disse pois é!
Ela: – Mas ‘pois é’ o quê?
Ele: – Melhor mudar de conversa porque você não me entende.
Ela: – Entender o quê?
Ele: – Santa Virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto e já!”

(Clarice Lispector. A hora da Estrela. 6.ª ed. , Rio de Janeiro: J. Olympio, 1981)

Macabéa, protagonista do romance de Clarice Lispector, é uma personagem que, segundo palavras do narrador, vive em “silêncio cultural e não sabe expressar-se”. No diálogo reproduzido, Olímpico, seu namorado, tenta estabelecer conversação e apela para a função fática; o curioso é que Macabéa procura um significado específico na expressão “pois é”, não percebendo seu caráter fático.

(Comentário extraído de NICOLA, José e TERRA, Ernani.
Português: Língua, literatura e produção de textos
, São Paulo: Ed. Scipione, 2003, v. 01)

TEXTO II


(O Estado de S. Paulo, ago., 2004)

TEXTO III

“Não adianta nem tentar
Me esquecer
Durante muito tempo em sua vida
Eu vou viver
Detalhes tão pequenos de nós dois
São coisas muito grandes pra esquecer
E a toda hora vão estar presentes
Você vai ver
[...]
Eu sei que um outro deve estar falando
Ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei
Mas eu duvido
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai
Vai lembrar de mim
[...]
Se alguém tocar seu corpo como eu
Não diga nada
Não vá dizer meu nome sem querer
À pessoa errada
Pensando ter amor nesse momento
Desesperada você tenta até o fim
E até nesse momento você vai
Vai lembrar de mim
[...]”

(Detalhes, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos)

TEXTO IV

Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metrô por engano numa estação azul igual à dela, com um nome semelhante à estação da casa dela, telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase. Desconfiei na mesma hora que tinha falado besteira, porque a professora me pediu para repetir a sentença. Aí estou chegando quase... havia provavelmente algum problema com a palavra quase. Só que, em vez de apontar o erro, ela me fez repeti-lo, repeti-lo, repeti-lo, depois caiu numa gargalhada que me levou a bater o fone. Ao me ver à sua porta teve novo acesso, e quanto mais prendia o riso na boca, mais se sacudia de rir com o corpo inteiro. Disse enfim ter entendido que eu chegaria pouco a pouco, primeiro o nariz, depois uma orelha, depois um joelho, e a piada nem tinha essa graça toda. Tanto é verdade que em seguida Kriska ficou meio triste e, sem saber pedir desculpas, roçou com a ponta dos dedos meus lábios trêmulos. Hoje porém posso dizer que falo o húngaro com perfeição, ou quase.

(BUARQUE, Chico. Budapeste, São Paulo: Cia das Letras, 2.ª ed., 2000.)


TEXTO V

Notívagos, (1942). Edward Hopper* (1882-1967).

Edward Hopper*, pintor norte-americano, transpunha habilmente para a tela cenas pontuais do dia-a-dia, cenas de uma espécie de roteiro imaginário, que fazia parte de um enredo do qual não se conhece o que aconteceu antes, nem o que vem depois. Cabe ao expectador imaginar o resto da história. Tais cenas, construídas no interior de restaurantes, bares, cafeterias, cinemas, ruas etc. retratam a condição humana, sua fragilidade, solidão e alienação. Elas expõem figuras isoladas, solitárias e absortas em si mesmas. As imagens de Hopper captaram a atmosfera da América desde a Grande Depressão dos anos 1930 até os revolucionários anos 1960, passando pela 2.ª Guerra Mundial.

PROPOSIÇÃO


Os textos acima de certa forma ilustram alguns aspectos da comunicação entre indivíduos, salientando a dificuldade de estabelecê-la, em decorrência de vários motivos, por exemplo, por causa da ausência de um assunto/referente (texto I); do emissor que nega o universo do receptor (texto II); da perda do par amoroso (texto III), o que leva a uma valorização do emissor e à constante referência ao receptor distante; de um desconhecimento quanto ao código (texto IV), ou ainda em decorrência de um contexto de isolamento em que as pessoas se encontram (texto V).

Tendo em mente esses textos, bem como a aula sobre funções da linguagem, o texto introdutório e as cenas selecionadas do filme Crash, no limite (Paul Haggis, 2004), construa uma cena narrativa em que ocorra o encontro de duas pessoas que nunca se viram.

Instruções:

1. Suponha que a tela de Hopper seja o cenário desse encontro. Caracterize minimamente o espaço, as personagens e o ambiente, considerando os elementos da descrição vistos anteriormente.
2. Concentre-se na cena, isto é, não narre circunstâncias anteriores ou posteriores a ela. Você deve, se for o caso, deixar apenas sugerido para o leitor o que houve antes do encontro, por meio de um comentário que se dilui sutilmente no texto.
3. Narre a cena em 3.ª ou 1.ª pessoa, empregando a norma culta.
4. Equilibre os diálogos com o texto. Se houver apenas diálogo, seu texto fugirá à proposta.
5. Em seu texto, você deve ilustrar, por meio da cena, os entraves de uma conversa entre pessoas que até então não se viram, logo a comunicação entre elas deve ser difícil, mas não impossível. Você pode escolher que elemento da comunicação (pode ser mais de um) sofrerá interferência e comprometerá em parte a compreensão das personagens.
6. Você deve trabalhar ao longo do texto as funções da linguagem que julgar essenciais na cena.
7. O texto deve ser feito a tinta e ter aproximadamente 35 linhas.