Gênero: Resenha crítica
Tema: Análise histórica do filme "Queimada"
As transcrições a seguir foram selecionadas como orientação geral dos argumentos, comparações e da seqüência dos acontecimentos do filme.
Na verdade, a Inglaterra quer o mesmo que vocês: liberdade de comércio, dos homens e da dominação estrangeira. O que a Inglaterra não quer é que estas revoluções sejam levadas às últimas conseqüências. Homens como José Dolores podem agravar a situação, como aconteceu no Haiti, por exemplo. Como vêem, no momento, nossos interesses coincidem. E coincidem também com progresso e civilização. Para os que acreditam nela, ela é importante.
Sir William Walker, o inglês, em jantar com líderes que tramam a independência da ilha
— Se pedisse a você para começar uma revolução, você não iria entender. Roubar um banco, sim, era possível que entendesse. Primeiro teve que aprender a matar para se defender. Depois, teve que matar para defender os outros. O resto foi conseqüência.
— E a Inglaterra? Qual a participação dela nisso?
— Portugal é inimiga da Inglaterra. Se os navios ingleses não estivessem aqui, os portugueses já teriam voltado.
diálogo entre Sir William e José Dolores, após a proclamação da independência da ilha
— Quem vai governar sua ilha, José? Tocar a indústria? Cuidar do comércio? Quem vai curar os doentes? Ensinar nas suas escolas? (...) A civilização não é uma questão simples. Não se aprendem os segredos da noite para o dia. Hoje a civilização pertence aos brancos. E você tem de aprender a usá-la. Sem isso, não poderá ir adiante.
— Mas ir para onde, inglês? (...) Pode dizer aos brancos que meus homens vão depor as armas e voltar para as plantações. Mas pode dizer-lhes para ter cuidado, muito cuidado. Eles podem saber como vender o açúcar, mas somos nós que cortamos a cana.
diálogo entre Sir William e José Dolores, fim dos primeiros conflitos
Eu vou explicar, cavalheiros. É muito comum, entre um período histórico e outro, que dez anos mostrem ser tempo bastante para revelar contradições de um país inteiro. Em geral, temos que entender que nosso julgamento, nossas interpretações e até mesmo nossas esperanças podem estar erradas.
Sir William Walker, em reunião do governo da república de Queimada
José Dolores disse que o que temos em nosso país é uma civilização dos brancos e que é melhor sermos não-civilizados, pois é melhor sabermos onde ir e não sabermos como do que sabermos como e não termos para onde ir. Depois, ele disse que se um homem trabalha para alguém, ele se chama trabalhador mas continua sendo escravo. Isso nunca vai mudar pois existem os donos da terra e os donos do facão que corta a cana. Depois disse que devemos cortar cabeças ao invés de cana.
Martino, aliado de José Dolores
Você sabe por que a ilha se chama “Queimada”? Porque já foi queimada uma vez, para vencer a resistência do povo. Depois, os portugueses exploraram pacificamente a ilha por quase 300 anos. Sabe que o fogo não atravessa o mar, senão apaga. Mas certas idéias viajam com a tripulação. Deveria saber quantas ilhas a companhia explora e o que aconteceria se o exemplo de Dolores chegasse a essas ilhas. Shelton, eu não sei ao certo o que estou fazendo aqui. Dinheiro é importante mas não sei por que aceitei. Talvez seja pelo prazer pessoal ou talvez porque não saiba fazer outra coisa. Mas quando tenho que fazer algo, tento fazer bem-feito.
fala de Sir William a Sir Shelton, representante da Cia. Açucareira das Antilhas
José Dolores teve uma história exemplar. No começo, ele não era nada, apenas um carregador. E a Inglaterra fez dele um líder revolucionário. Quando não servia mais, foi colocado de lado. Depois, o ressuscitaram mais ou menos em nome dos mesmos ideais que a Inglaterra lhe ensinou. Depois, a Inglaterra decide eliminá-lo. Não acha que é uma pequena obra de arte? (...) Eu não sou o artista, sou apenas o instrumento.
fala de Sir William a um comandante inglês
Não, não é verdade que o fogo destrói tudo. Sempre restará vida se restar um pouco de grama. Como os brancos me pegaram? Como podem ganhar no final? Os brancos sempre existirão. Depois nascerão outros. Depois outros que vão começar a entender. E, no final, até vocês vão entender. E, no final, os brancos vão ficar enfurecidos com vocês. Podem esperar. Quando os amigos deles acabarem, a besta enfurecida vai correr pela última vez, perseguida e caçada por toda a ilha. Haverá um grande incêndio. E os grunhidos dessa besta se transformarão em um grito de liberdade. Um grito que será ouvido longe, muito além desta ilha.
José Dolores fala aos soldados que o aprisionaram
— De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, me matarão.
— Talvez não, general. Talvez o deixem viver.
— Vão me deixar viver se for conveniente para eles. Se for conveniente para eles, para mim é conveniente morrer.
— Por quê?
— Porque nunca deixam viver. Só quando querem uma isca ou uma caça viva numa gaiola.
— Mas, depois de algum tempo, podem libertá-lo.
— Não, meu soldado. Não é assim que funciona, meu amigo. Se alguém lhe dá liberdade, não é liberdade. Liberdade é algo que você conquista sozinho.
diálogo entre José Dolores e soldado que o conduz à prisão
— Está livre, fuja! Você não perde nada, não renuncia a nada. Seu tempo está acabando. Por quê? Que bem isso faz? O que isso significa? É algum tipo de vingança? Mas que tipo de vingança é esta se você estiver morto? Eu não sei, José. Isso parece loucura. Por quê?
(...)
— Inglês! Lembra do que você me disse? A civilização pertence aos brancos. Mas que civilização? Até quando?
diálogo final entre Sir William e José Dolores, antes do enforcamento
Apresentação da resenha crítica analítica
Denominam-se resenha crítica, ou simplesmente crítica, os textos ARGUMENTATIVOS que servem para orientar o leitor de uma revista ou de um jornal sobre o lançamento de um objeto cultural, isto é, um livro, um filme, uma peça teatral, um show, um concerto musical, uma exposição de artes plásticas, etc.
Leia, a seguir, uma crítica a respeito do filme “Santiago”.
A vida de Santiago
Por Contardo Calligaris (Folha de S. Paulo, 23/08/07)
Estréia amanhã o filme "Santiago", de João Moreira Salles. A história de sua produção é conhecida: em 1992, João Moreira Salles filmou um documentário sobre Santiago Badariotti Merlo, que tinha sido, no passado, durante 30 anos, o mordomo de sua família.
Para o diretor, era uma maneira de se lembrar de sua infância e de meditar sobre vida e morte, memória e esquecimento. Ele abandonou o projeto durante a montagem. Santiago morreu em 1994. Em 2005, João Moreira Salles voltou ao material abandonado para criar um filme que é uma obra-prima, imperdível.
Já foi observado que "Santiago" é um filme que desnuda a relação entre o documentarista e sua personagem. O diretor não esconde sua voz, que pede que Santiago repita, retome, fale mais rápido, olhe para cá ou para lá. Alguns acharam que o longa-metragem também quer desvendar a desigualdade inevitável entre o ex-mordomo e o filho do ex-dono de casa. Pode ser. Mas a imperiosidade do documentarista me evocou outra coisa.
Quando minha avó ainda vivia, eu, ao voltar para casa, pedia que ela fizesse o polpettone de minha infância. Ela fazia, eu agradecia, elogiava e também me queixava: nunca era exatamente como "aquele" polpettone. Num momento do filme, Santiago recita o Pater Noster, o Salve Regina e a Ave-Maria, evocando sua avó, que lhe ensinara a rezar em latim. O diretor se lembra da comoção que a reza de Santiago em latim lhe causava, quando criança. Logo, ele descarta o "take" e pede que Santiago reze novamente, concentrando-se e juntando as mãos.
Crítica do gênero documentário? Eu vejo, sobretudo, o efeito tocante do mergulho na memória: o que João Moreira Salles quer é reviver a emoção que lhe dava "aquela" reza em latim da sua infância – "aquela" reza que não volta mais.
Muitos observaram também que "Santiago" é um filme sobre a luta da memória contra a morte. Eu mesmo, depois de assistir ao filme, perguntei o que aconteceria com as 30 mil páginas que Santiago escreveu sobre as dinastias da nobreza do mundo ao longo de 4.000 anos de história. Era como se quisesse que a sobrevivência da obra de Santiago prolongasse o sentido de sua vida e da vida em geral (os calhamaços ficarão no Instituto Moreira Salles, na casa da Gávea, onde Santiago foi mordomo).
Agora, Santiago tem uma consciência aguda de que a vida é passageira e o céu está vazio (citação de Bergman por Santiago). E não é uma consciência produzida pela idade avançada. Walter Salles me contou uma anedota bem anterior ao filme: uma manhã, Walter Moreira Salles, seu pai (e pai de João, claro) abriu as cortinas de seu apartamento de Copacabana junto com Santiago. Era um primeiro de maio ensolarado. Walter Moreira Salles comentou: "Que dia lindo". E Santiago, imediatamente, em portunhol, olhando para a praia já cheia: "Em cem años, estarão todos muertos".
Mas Santiago não é cínico. E seu remédio contra a morte não é apenas sua prodigiosa memória. No filme, Santiago toca as castanholas, canta, dança com as mãos e, sobretudo, está sempre preocupado com a beleza. Inclusive com a beleza da morte, "la gran partita", o "bel morir" que pode dignificar a vida inteira.
Uma especialidade de Santiago consistia em preparar arranjos de flores para as festas. Ele dava, aos diferentes arranjos, nomes musicais, cantata, scherzos etc. Quando os terminava, ficava a fim de lhes pedir (aos arranjos) que cantassem, assim como Michelangelo perguntou "Por que não falas?" à sua estátua do Moisés (Santiago corrige a lenda, preferindo o Davi).
As flores dos arranjos logo murcharão, mas o importante é que elas desabrochem na hora efêmera da festa, mostrando o esplendor de cada flor e a harmonia do arranjo. Como um arranjo, uma vida não se justifica por sua duração, nem pela lembrança, nem pelo aplauso dos outros, ela se justifica por sua harmonia intrínseca.
O texto lido é uma crítica, um gênero de natureza argumentativa que visa informar o leitor sobre o lançamento de um objeto cultural e, ao mesmo tempo, avaliar sua qualidade, estimulando ou não seu "consumo".
A fim de fundamentar seu ponto de vista, normalmente o crítico faz considerações gerais a respeito do autor ou dos criadores da obra, apresenta um breve histórico de sua criação e descreve trechos, cenas ou composições de destaque, ressaltando seus pontos positivos ou negativos. No caso da crítica lida, por exemplo, são feitos comentários analíticos a respeito dos temas abordados no filme: mergulho na memória, consciência da morte...
Também são feitas comparações com outras obras do mesmo autor ou comparações com criações de autores diferentes, do presente ou do passado. Assim, a crítica tende a situar o objeto em análise no conjunto da tradição cultural e avaliar seu grau de originalidade no contexto atual.
A linguagem varia de acordo com o perfil da revista ou jornal, do público leitor, do assunto e de quem escreve. Apesar disso, nos grandes jornais e revistas do país, quase sempre predomina no gênero o padrão culto formal da língua. Pode haver marcas de pessoalidade na linguagem, embora tenda a predominar a impessoalidade.
Características da resenha crítica
- informa sobre o lançamento de um objeto cultural – filme, disco, livro, show, concerto, exposição, peça teatral, etc. – e avalia seus aspectos positivos e negativos;
- tem intencionalidade persuasiva, que estimula ou não o público a "consumir" o objeto em questão;
- estrutura relativamente livre; normalmente é introduzida por um pequeno histórico da obra, seguido de uma descrição de suas partes e de uma avaliação de seus aspectos mais significativos; geralmente são feitas comparações com outras obras do mesmo autor, ou com obras de outros autores, e comentários sobre a importância da obra no contexto atual;
- verbos predominantemente no presente do indicativo;
- linguagem clara e objetiva; nível de linguagem e grau de pessoalidade/impessoalidade que variam de acordo com o veículo e com o público a que se destina.
(Adaptado de: CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Texto e interação: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos. São Paulo: Atual, 2000.)
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