Até onde eu sabia, Paulo era um menino de família, de classe alta, e bem, digamos, capitalista. Frequentava o Fasano junto a mim, um lugar, pode-se dizer, até elitista. Como eu, Paulo parecia prezar muito pelos bens materiais: sempre morou em enormes casas, mesmo quando criança, possui três carros de alto luxo, freqüentava restaurantes chiquíssimos, sempre me presenteia com jóias e roupas de alta costura.
Eu simplesmente não podia acreditar que Paulo, o meu marido Paulo, fora esse homem desconhecido. Fiz implacável meu percurso livraria-garagem-motorista-casa, onde ele estava trabalhando em seu escritório.
Joguei tudo em cima dele, de vez: como eu confiava nele, todo aquele tempo, como eu achava que ele tinha os mesmos valores que eu, como agora eu sabia de seu comunismo oculto, de sua posição na luta de classes.
Com seu jeito paciente e inabalável, Paulo lentamente levantou-se, destrancou e abriu uma gaveta no último andar de sua escrivaninha. Mexeu em alguns papéis e arrumou-os em numa ordem, me entregando a pequena pilha. No topo, um certificado de adoção. Continha o nome de Paulo e de seus pais, e datava, se não me falha a matemática, de quando Paulo tinha seus quinze anos. Então seus pais, tão queridos, não eram seus pais de verdade? Paulo fora adotado com quinze anos? Como se explica um fato desses? Após o certificado, estava uma carta de um hospital, informando a morte de seus pais biológicos. Datava de uma não anterior ao do certificado. Os pais de meu marido haviam morrido na ditadura. As coisas começavam a se esclarecer em minha mente.
Seguida a carta do hospital, estava uma carta dele mesmo, endereçada a mim. Paulo sugerira a Isabela o tema da ditadura, ele que colocara lá o livro com sua foto reveladora. Pediu desculpas pela emissão dos fatos, mas agora estava no momento de eu saber tudo. Era socialista na época da ditadura, mas seus valoras passaram a mudar com a nossa convivência, e seus pais atuais haviam sido grandes amigos dos biológicos. Agora, independente da descoberta e de qualquer conflito possível, tudo pacificava-se entre nós, a peça que faltava estava ali.