O Conjunto Nacional tem sido cenário da vida de muito paulistano, principalmente dos mais velhos, que até os anos 50 nem sonhavam com um edifício comercial erguido na Paulista; a avenida das grandes mansões, onde a paz dos burgueses, em metro quadrado, era protegida por um preço altíssimo. Era até heresia imaginar uma construção como aquela, que, diziam, descaracterizaria uma vida nascida para ser esplendorosamente residencial.
Quem diria, no entanto, que aquele edifício, rejeitado a princípio pelos conservadores, logo se tornaria nosso maior ponto de encontro, eleito pelos jovens. Isso graças ao luxuoso jardim de inverno Fasano, frequentado pelos notáveis da cidade, reis e presidentes em vista, e principalmente devido a seu extenso e charmoso bar ao ar livre, de frente para a avenida.
Fui uma das moças sempre presentes naquele bar chique, o mais disputado de todos nas tardes de verão. Não sei quantos coquetéis gelados tomei naquelas mesas, acompanhada ou à espera de amigas. Foi lá, me lembro muito bem, em uma noite excessivamente romântica, ostentando um número exagerado de estrelas, que Paulo, meu namorado, me pediu em casamento. Eu, encantada pelas luzes do Fasano e talvez para não romper o clima geral de alegria, distraidamente disse sim. Somente muitos anos mais tarde, eu voltaria a frequentar o Conjunto, mas não devido ao bar do Fasano e suas lembranças ofuscantes, voltei porque comecei a trabalhar como engenheira química em uma das empresas instaladas no Conjunto. Eu e minha amiga, Isabela, adorávamos passear pelas rampas que subiam e faziam curvas, formando uma espiral, em direção à imensa cúpula transparente e desenhada com padrões em ferro. Ao final das rampas chegávamos ao Terraço- Jardim, onde passávamos ótimos momentos de conversas engraçadas e sem sentido ao final do expediente. Também gostávamos de frequentar a livraria Cultura. Para lá, fazíamos” visitas temáticas”, escolhendo livros sobre temas específicos, que variavam a cada semana. Havia a “semana da Revolução Francesa”, a “semana do Portinari”, o “semana Pau-Brasil” e assim por diante.
Foi em uma dessas visitas que minha vida, mais uma vez naquele lugar, mudou de rumo. Era a “semana da ditadura militar” e nós estávamos folheando um livro que descrevia em detalhes os movimentos estudantis da década de 70. Além dos textos muito bem elaborados, o livro continha inúmeras fotos que revelavam incertezas, angústias e medos daquela época. Uma dessas fotos, para minha surpresa, mostrava Paulo, meu marido, sendo agredido por militares. Eu nunca tinha visto aquela foto. Aliás, eu nem sequer sabia, até aquele momento, que Paulo havia se envolvido com os movimentos estudantis esquerdistas. Aquela foto reveladora provocou uma revisão profunda de minha vida, uma releitura de muitos acontecimentos e tormentos do passado. Até onde eu sabia, Paulo era um menino de família de classe alta e bem, digamos capitalista. Frequentávamos o Fasano, um lugar considerado até elitista. Como eu, Paulo parecia prezar muito pelos bens materiais, sempre morou em mansões e sempre me presenteou com jóias caras e vestimentas de alta costura. Eu simplesmente não podia acreditar que Paulo participara tão ativamente de movimentos comunistas.