Cabos de Aço

Desde pequeno, a cidade de São Paulo fora minha maior paixão. Nasci na tranqüilidade do campo, na antiga casa de meus avós. Alguns anos depois, eu e meus pais fomos para a cidade em busca de um emprego melhor. Moramos lá até meu aniversário de dezoito anos. Depois, eles, cansados da vida agitada, voltaram ao campo. Eu, estupidamente alucinado pela cidade, aluguei uma casinha menor e permaneci lá. Não que aquele monte de casinhas espalhadas pelo grande terreno fosse ruim. Mas para mim, São Paulo era como um dia ensolarado ofuscando a calma escuridão da casa dos meus avós.O progresso da cidade, a cor cinza dos prédios em construção, auqela multidão de pessoas enchendo as ruas durante o dia simplesmente deixavam-me encantado.

Minha vida em São Paulo girava em torno da maravilhosa Avenida Paulista. Passava meu dia inteiro lá. Quando não estava trabalhando, andava de um lado para o outro, apenas apreciando a intensa agitação. Estávamos no início dos anos 60. O edifício Conjunto Nacional finalmente ficara pronto.Fora o maior edifício que vira em minha vida. O mais belo. Ele era cinza durante o dia e iluminado à noite. José Tyjurs, o empresário argentino, fizera um bom trabalho. Uma pequena cidade dentro de uma grande. Alucinante.

Não perdi tempo. Devolvi minha casinha alugada e comprei um pequeno apartamento residencial no Conjunto. Suas belas paredes cinza espelhavam perfeitamente a cor de um prédio ainda em construção.

E minha vida foi-se moldando àquela pequena e exótica cidade. A felicidade era meu estado de espírito predominante no magnífico conjunto. Este quase chegou a ser o período mais feliz de minha vida. Quase.

As férias chegaram quando eu menos esperava. E um dia delas já estava programado: meus pais iriam visitar-me. Eu já os estava aguardando. Eles pegaram o primeiro bonde da manhã. E, depois do que me pareceu uma eternidade, estavam aqui. Recebi-os de braços abertos, feliz pelo reencontro depois de tanto tempo. Após orgulhosamente acomodá-los no conjunto, convidei-os para dar uma volta a pé pela Paulista. Os dois aceitaram na hora.

Olhando distraidamente para uma pequena loja de esquina, reparei em uma pessoa sentada na calçada com um livro em mãos. E por um instante congelei. Um calor inundou-me enquanto olhava aquela linda moça. Um calor resplandecente. Tudo em mim desfez-se quando vi aquele rosto tão perfeito. Todas as finas linhas que prendiam-me à vida no Conjunto Nacional foram rompidas com golpes rápidos. Tudo o que tornava-me quem eu era desconectou-se de mim naquele segundo e flutuou para o espaço.

Mas eu não fiquei à deriva. Milhões de cabos prendiam-me a uma única coisa- o próprio centro do universo. Era a garota, na calçada que me matinha ali. E, deixando meus pais para trás, comecei a andar em sua direção.

Tristeza
Felicidade

Conjunto Nacional