Cheguei à minha casa muito tarde e cansado, como sempre, e encontrei-me sentado novamente em meu sofá, em frente à televisão ligada. Olhei em volta e vi as mesmas coisas que vir no ano passado e no ano retrasado: meu pequeno loft no Conjunto Nacional. Como minha vida é monótona! Olhei em volta procurando algo novo, nada. Virei meu rosto e vi apenas paredes brancas e, no centro de uma, a única foto que eu tinha em meu apartamento. Retratava-me com minha falecida mulher em nossa lua-de-mel.
Logo precisei levantar para tomar um copo d’água, pois meus olhos já se enchiam de lágrimas. Fiquei tentando tirar de minha mente a imagem de seu corpo estatelado no chão, pálido, sem vida. Não conseguia. Tudo o que vinha à minha mente era o furo em sua testa, lotado de sangue recém secado. Seus colegas policiais disseram que ela fora baleada durante uma perseguição policial. Ao menos havia um ponto positivo: fora por uma causa nobre, podia ter orgulho de minha mulher.
Não estava mais aguentando ficar em meu apartamento; não importava para onde eu olhava, lá estava uma lembrança de minha falecida mulher. Precisei sair para passear um pouco pelas ruas, isso sempre me acalmava.
Descendo as escadas vi, como sempre, meu vizinho de baixo tendo uma discussão com sua namorada no corredor. Já acordei muitas vezes com eles brigando. Como sempre, pude o ouvir ameaçando-a; dizendo que “desta vez é muito sério! Se você não se desculpar eu mato você!”. Provavelmente, quando eu voltasse, eles estariam trancados no quarto, assim como das últimas incontáveis vezes.
Continuei descendo as escadas e passei despercebido, afinal, ninguém espera ver alguém saindo do prédio tão tarde da noite.
Terminando o passeio que, felizmente, acalmou-me, voltei ao prédio e notei um perfeito silêncio. Ótimo! Ao menos eu iria conseguir dormir hoje. Porém, um andar antes do meu, onde o casal estava, antes, brigando, eu vi o corpo da jovem moça no chão, com sangue saindo de um buraco em sua testa. Corri para checar se estava viva, mas não tinha pulso.