Preenchimento

Paralisei sem saber o que fazer. Fiquei vendo o rosto de minha mulher no lugar do dessa mulher estranha. Era desconhecida, mas eu estava sentindo uma tristeza enorme de vê-la morta, quase tão grande quanto ao ver minha mulher esparramada no chão. Não havia, porém, nada que eu pudesse fazer.

Foi em seguida que percebi o problema em que eu acabara de me meter. Eu era cúmplice! Se eu não dissesse nada poderiam me prender, mas se eu dissesse o assassino poderia querer me matar!

Saí correndo para meu loft. Ninguém me vira perto do corpo da mulher! Não poderiam dizer que eu sabia de nada! Não! Eu não podia fazer aquilo! Abandonar uma moça daquele jeito era imperdoável. Minha mulher não aprovaria que eu fizesse isso. Voltei para lá e fiquei encarando a mulher ao mesmo tempo que segurava meu celular. Não conseguia, precisava cuidar dela para ao menos parecer que foi algo mais leve para sua família.

Silenciosamente, trouxe um balde e um pano e comecei a limpar seu roto, depois seus braços, depois ainda fui procurar uma roupa de minha ex-mulher que eu guardara. Elas tinham o mesmo tamanho! Quando me dei conta, a desconhecida estava arrumadíssima. Melhor assim, pensei, sua família não teria uma memória tão ruim de seu corpo.

Voltei a fitar seu corpo, cheguei perto e passei a mão em cada fio de cabelo seu, cada dedo de seu pé, cada dedo de sua mão, mas não ousava chegar perto das intimidades.

Quando olhei o relógio já eram seis horas da manhã, logo as pessoas estariam acordando e me veriam com ela. Liguei para a polícia do orelhão do meio da Avenida Paulista, não queria ser reconhecido, então fiz uma declaração anônima.

Durante o resto do dia não consegui fazer nada direito, só pensava na belíssima mulher morta, nela e no furo em sua testa. De madrugada, novamente, cheguei a meu apartamento, mas estava inquieto, não parava de olhar para o quadro de mim com Ana. Fui ao meu quarto e tirei um baú de debaixo da cama. Era lá onde eu guardava tudo o que estava em seu corpo no dia de sua morte.

Foi, então, que vi a arma que ela carregava. Senti uma vontade súbita de pegá-la, segurá-la. Fiz isso e saí de meu apartamento, estava me movendo pelos impulsos do momento. Comecei a andar pela avenida e ia para ruas cada vez mais vazias, mais escuras.

Encontrei-me em uma rua muito escura e vazia, havia apenas uma mulher que andava apressadamente em minha direção. Senti a arma em meu bolso e peguei-a. Mirei na testa da mulher e atirei sem que ela ao menos notasse meus movimentos. Um enorme sorriso surgiu em meu rosto. Coloquei a arma em meu bolso e fui em direção ao meu apartamento pegar um balde e um pano. Sua família não poderia encontrá-la caída, suja daquele jeito.

Começo

Conjunto Nacional