A crise da educação?

A escola contemporânea, em termos globais, parece em crise, considerando as contradições entre o conceito de educação, cada vez mais diluído, e os discursos homogêneos sobre a organização da escola pautada em preparação para o futuro. A Educação hoje professa valores que pouco ecoam nos valores (ausentes) do contexto social.
Ancorada na queixa genérica de que os alunos padecem de falta de motivação, pois a escola se mostra pouco capaz de responder às demandas de um mundo pós-alfabético (a escola está atrasada, separada das necessidades de um futuro globalizado e interconectado), o discurso contemporâneo afirma uma saída. Com base na parceria ciência e técnica, os professores precisam preparar os alunos municiados das tecnologias que permitem torná-los bem-sucedidos nos empreendimentos do universo da informação e da sociedade globalizada. Nessa perspectiva, a Educação é considerada uma espécie de ciência aplicada.
Um contraponto a essa via pedagógica é mais tradicional e está centrada na dualidade filosófica teoria e prática. Os professores são sujeitos críticos, que se utilizam de estratégias reflexivas e cujas práticas são concebidas quase sempre sob uma perspectiva política. A Educação é uma espécie de práxis política.
Walter Benjamin pode constituir inspiração para uma terceira via: aquela que considera o processo formativo como um conhecimento aberto e incompleto, que se realiza como experiência de linguagem compartilhada, pois a escola é o espaço de resistência do humano.
Benjamin é um pensador polifônico, inclassificável e até mesmo paradoxal. Conservador (crítico radical da ideia de progresso histórico) e progressista; revolucionário (comunista – socialista crítico do marxismo) e nostálgico do passado; idealista e materialista que se interessa pela Teologia. Benjamin é singular, nem moderno nem pós-moderno, caminha sempre por rotas à margem das avenidas centrais do pensamento de sua época. É um flâneur.
Os conceitos centrais de Benjamin não são amigáveis para uma proposta educacional nem como ciência aplicada, nem como práxis política. Ambas organizam os saberes da Ciência, da Política, da Filosofia, das Artes, com base em um código (e uma linguagem) que desconsidera a incerteza e a subjetividade. Caso tivesse escrito sobre teoria pedagógica, Benjamin reagiria frontalmente a um sistema fechado de disciplinas hierarquizadas.
A pergunta inicial admite uma palavra-síntese como resposta: a busca. Walter Benjamin e a experiência nos incitam a buscar vias diferentes de acesso ao universo da aprendizagem. Sem destituir os discursos vigentes de sua validade, as ideias de Benjamin (e sua interpretação por Jorge Larrosa) têm potencial para dar suporte a uma pedagogia que considera os intervalos e os vazios que as demais alternativas didáticas não preenchem.
Os conceitos benjaminianos
Experiência é tudo que nos toca, gera sentido e permanece constituindo a memória. A experiência se traduz em linguagem compartilhável, produtora de conhecimento, saber, humanização.
A Arte inclui Ciência e Filosofia; as culturas e as ruínas da história (memória, tradição, objetos, documentos, resquícios); e o contexto urbano (com sua contrapartida de tempo intensificado e contraído em um presente perpétuo, sem recordações).
A realidade é um texto aberto à significação, à experiência de cada sujeito, de todos os sujeitos. A realidade é múltipla, não linear, transborda a catalogação e o método empírico. A realidade é conhecimento que se expressa pela linguagem, cuja base é a experiência: imagem, artes, poesia, objetos, sons, gestualidade.
O conhecimento é modificável, aberto, em construção. Uma metáfora do conhecimento é a paisagem urbana, sem ponto fixo de observação, com referentes fragmentários que se reconstituem na memória: uma constelação de ideias. Conhecimento inclui razão, imaginação, percepção, paixões, utopias. Arte e Religião são conhecimento. Os saberes não são campos disciplinares hierarquizados nem justapostos, fundem-se na experiência.
Linguagem é autorreflexiva, autorreferente e translinguística. Linguagem inclui a metalinguagem e está relacionada aos processos culturais e sociais. Palavras não estão presas a modelos lógicos abstratos. Linguagem tem dimensão corporal, lúdica, imagética, sonora. A metáfora e a poesia são restaurações da linguagem primordial edênica. Linguagem é campo para a construção do pensamento enquanto poiesis (fazer-criar-refletir).
Memória retoma as potencialidades do passado e constitui a subjetividade e o sentido da existência.
O sujeito da experiência é o narrador, o flâneur. Ele caminha lentamente ao acaso, navega, viaja, atravessa a realidade, cataloga fragmentos de sentido. O sujeito deve ser considerado em sua heterogeneidade, incerteza, imprevisibilidade. O sujeito criativo produz cultura e coletivamente acrescenta significação ao mundo. O sujeito poeta tem olhar crítico: “exercita a arte de transmutar os elementos insignificantes do real em resplandecentes verdades, interpretando os processos históricos inerentes a essa mágica transfiguração”.O sujeito da experiência é um ser de linguagem, constituído de palavras que pensam e sentem.
A interpretação de Jorge Larrosa: contexto e reflexo no currículo escolar
Há oposição entre experiência e informação. O saber da experiência permanece como memória e linguagem. A informação é volátil e fragmentada: é tagarelice, e não linguagem. Experiência agrega o “sentir conhecendo e o conhecer sentindo”. Larrosa postula que a sociedade da informação (sociedade do conhecimento, sociedade da aprendizagem) é incompatível com a experiência.
Há oposição entre experiência e opinião. Informação e opinião, em conjunto, são sacralizados, forjam o “sujeito individual” e a “opinião pública” e ocupam o espaço da experiência. Na educação, essa aliança está representada pelo conceito de “aprendizagem significativa”, em que a opinião se reduz ao binômio “a favor”e “contra”.
Há oposição entre experiência e velocidade (falta de tempo). Velocidade engendra a obsessão pelo novo (que impede a memória), a excitação (que não deixa vestígios), o consumismo voraz e a incapacidade de silêncio (que impede o encontro, o olhar, a escuta, o sentir, a suspensão do juízo e da ação).
Experiência requer interrupção, encontro, distensão do tempo. O sujeito da experiência se “ex-põe”; vincula vida a conhecimento; apropria-se do saber. Experiência produz diferença, heterogeneidade, pluralidade. Experiência tem dimensão de incerteza e abertura para o desconhecido. Compartilhar a experiência é dialogar heterologicamente.