Currículo prescrito e currículo em ação

“Currículo prescrito: Em todo sistema educativo como consequência das regulações inexoráveis às quais está submetido, levando em conta sua significação social, existe algum tipo de prescrição ou orientação do que deve ser seu conteúdo, principalmente em relação à escolaridade obrigatória. São aspectos que atuam como referência na ordenação do sistema curricular, servem de ponto de partida para a elaboração de materiais, controle do sistema, etc. (...) Existe uma série de meios, elaborados por diferentes instâncias, que costumam traduzir para os professores o significado e os conteúdos do currículo prescrito, realizando uma interpretação deste. As prescrições costumam ser muito genéricas e, nessa mesma medida, não são suficientes para orientar a atividade educativa nas aulas (...) O papel mais decisivo nesse sentido é desempenhado, por exemplo, pelos livros textos.”
SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000
A discussão desse subgrupo partiu do consenso sobre a importância de haver um currículo prescrito pela escola, que funcione como um norteador, um guia. O grupo percebe, entre as expectativas da instituição traduzidas pelo currículo prescrito, a de que esta é uma “escola de excelência”. Muitas das pressões sentidas e relatadas pelos professores e alunos podem advir desse conceito intangível, mas compactuado, de “ser de excelência”. Se, por um lado, essa caracterização não nos deixar estagnar e nos empurra para frente, por outro, também nos inibe e restringe mudanças. Como nem sempre se explicita o entendimento do significado dessa almejada excelência, de como se dá em cada nível de ensino nem de como afeta a história de nossos alunos, seu peso recai apenas no currículo oculto.
A identidade do Colégio Santa Cruz contempla tanto a tradição quanto a inovação. A discussão importante e permanente a ser feita é o quanto dessa tradição consideramos inestimável e inegociável, e, portanto, não queremos nem devemos abrir mão, e o que daquilo de novo que se apresenta queremos incorporar, e em que tempos.
“Currículo em ação: O professor é um agente ativo muito decisivo na concretização dos conteúdos e significados dos currículos, moldando a partir de sua cultura profissional qualquer proposta que lhe é feita, seja através da prescrição administrativa, seja do currículo elaborado pelos materiais, guias, livros textos etc. Independentemente do papel que consideremos que ele há de ter neste processo de planejar a prática, de fato é um tradutor que intervém na configuração dos significados das propostas curriculares. (...). É na prática real, guiada pelos esquemas teóricos e práticos do professor, que se concretiza nas tarefas acadêmicas, as quais, como elementos básicos, sustentam o que é a ação pedagógica, que podemos notar o significado real do que são as propostas curriculares”.
SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000
O currículo em ação nunca é coincidente com o prescrito e nem com o planejado. Nele cabe a flexibilidade necessária para levar em conta o momento, o contexto, as necessidades de uma turma específica, de uma situação que se apresenta.
O grupo levantou o desejo de ter mais tempo para a reflexão sobre o currículo em ação, sobre o currículo em andamento. Para isso acontecer, precisa haver momentos previstos ao longo do ano, nas reuniões pedagógicas, dedicadas a uma conversa mais solta – e nem por isso menos profunda ou relevante – para se olhar para o que está sendo feito e como. Muito do que fazemos – intencionalmente ou não - nem ao menos é percebida como parte significativa do currículo. À medida que possamos colocar luz sobre isso e refletir, esse currículo em ação passa a “pressionar” o prescrito e interferir nele. Os momentos de conflito ou de trabalho coletivo da equipe de educadores também são repletos de situações de ensino e aprendizagem, de valores e atitudes importantes para a escola. Esses valores permeiam o currículo prescrito e pautam as grandes e, principalmente, as pequenas decisões tomadas no dia a dia. Além disso, refletem diretamente na formação de nossos alunos, mas, por não fazerem parte do currículo avaliado, algumas vezes, ficam invisíveis nas discussões sobre currículo. A parte do currículo que não é passível de avaliação precisa ser valorizada.
“Currículo realizado: Como consequência da prática se produzem efeitos complexos dos mais diversos tipos: cognitivo, afetivo, social, moral, etc. São efeitos aos quais, algumas vezes se presta atenção porque são considerados “rendimentos” valiosos e proeminentes do sistema ou dos métodos pedagógicos. Mas, a seu lado, se dão muitos outros efeitos que, por falta de sensibilidade para com os mesmos e por dificuldade para apreciá-los, (pois muitos deles, além de complexos e indefinidos, são efeitos a médio e longo prazo) ficarão como efeitos ocultos do ensino. (...) Pressões exteriores de tipo diverso nos professores, levam a ressaltar na avaliação aspectos do currículo talvez coerentes, talvez incongruentes com os próprios manifestos de quem escreveu o currículo, ou com os objetivos do próprio professor. O currículo avaliado, enquanto mantenha uma constância em ressaltar determinados componentes sobre outros acaba impondo critérios para o ensino do professor e para a aprendizagem dos alunos.”
SACRISTÁN, J. G. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000


Após a síntese apresentada pelos subgrupos, foi proposta a retomada das nuvens de palavras formadas no início do trabalho. E as palavras ali presentes foram ressignificadas. Ganhou dimensão o ser “diversificado” e “consistente”, pediu-se contexto para “exigente” de forma a não sufocar o “desafiador”.
Discutiu-se que alguns contrastes fazem parte percepção dos professores a respeito do espaço de atuação possível nas escolhas curriculares. “Amplo” por um aspecto, “limitado” por outro... “Coletivo”, “preservado”, “para ser conquistado”, “respeitado”, “diverso”, “estruturado”, “orientado” e “ativo” fazem parte desse “campo de disputa” que resulta no currículo em ação. É o contraste, visto não como contraditório, mas como campo de tensão entre elementos que compõem uma estrutura consistente. Ter um programa mínimo definido é essencial, poder sugerir trocas de temas e ênfases também; ter um coordenador de área é fundamental, ter espaço de criação individual também; projetos interdisciplinares merecem lugar de destaque, a riqueza das especificidades disciplinares também. E o grande desafio é pensar e encontrar caminhos de não perder a grandeza sem ser excessivo. É preciso ter coragem para buscar, de fato, esse equilíbrio. Essa é uma discussão que precisa seguir nos cursos. As características das faixas etárias e dos níveis de ensino pressupõem encaminhamentos distintos.
A autonomia do professor na construção do currículo do Santa Cruz encontra pontos de estrangulamento, brechas e espaços de criação em função do contexto sobre o qual se debruça. Em algumas situações, essa autonomia é valorizada e estimulada; em outras, ela não encontra espaço. Nesse sentido, a discussão entre os diversos cursos pode enriquecer muito por trazer diferentes experiências e possibilidades de atuação docente. Ter um espaço para pensar o currículo sem a pressão da emergência do fazer seria muito interessante.
Autonomia docente é um tema que merece outras oportunidades, que podem ocorrer dentro dos cursos, entre os cursos com estruturas mais semelhantes entre si, e também em uma discussão mais ampla e estruturada como em situações de congresso. De qualquer forma, terminamos essa manhã juntos com a sensação de termos participado de um instigante momento de trabalho coletivo.
A apresentação da profª Carol Dweck e a entrevista com o prof. Charles Hadji indicam que o tratamento concedido ao erro no espaço escolar acaba por fixar lugares e papéis para professor e aluno nem sempre os mais desejáveis (para o professor, que quer ser visto como caminho para a aprendizagem) e construtivos (para o aluno, que precisa acreditar que pode aprender e desenvolver-se com os desafios). Como poderíamos trabalhar melhor a questão do erro na escola? Em que situações escolares o erro pode ser percebido de maneira mais construtiva e natural no processo de aprendizagem? Há situações de avaliação em que isso ocorre? Quais?