IV Congresso do Colégio Santa Cruz jan/17

Síntese das discussões feitas pelo grupo de professores


A partir das discussões realizadas, percebe-se que há movimentos em todos os cursos do Colégio, no sentido de rever a forma como avaliamos. No entanto, existe também a percepção de que há muito a ser feito, já que a avaliação é um ponto nevrálgico do processo escolar e tem estreita relação com o currículo.

Um aspecto apontado pelos professores que discutiram o primeiro subtema foi o da “cultura da nota”, isto é, alunos supervalorizam a nota e o professor desdobra-se para que entendam que seu desempenho nas provas, medido por notas, não resume o que eles são. Existe um consenso de que a nota não é um problema em si, pois dá um retorno ao aluno sobre seu aproveitamento. Contudo, o peso que a nota assume no processo de aprendizagem é uma questão que causa entraves para uma avaliação processual, que integra as múltiplas faces da aprendizagem.

A preocupação excessiva com a nota também decorre da sua representação na sociedade em geral, que cria hierarquias de rendimento e valoriza sobremaneira o desempenho como um fim em si mesmo, a chamada cultura do resultado. Entretanto, temos que reconhecer que essa ênfase no resultado acaba sendo reforçada pela própria instituição escolar, que ensina ao aluno a valorar em demasia a nota a ponto de ele contabilizar os erros cometidos para ver se o conceito que lhe foi atribuído está correto, por exemplo.

Logo, os professores identificam a excessiva preocupação com a nota como um sintoma que revela, entre várias coisas, que precisamos reforçar estratégias para que o aluno se localize e tenha mais consciência de seu processo de aprendizagem. Quando sistematicamente o resultado da avaliação resume-se às notas das provas, aumenta a probabilidade de que a mensagem transmitida ao aluno a respeito de seu processo seja distorcida, e isso afeta significativamente a sua percepção do que é valorizado e a constituição de sua autoimagem.

Cabe ressaltar que os participantes encaram a prova como um instrumento importante, por permitir ao professor averiguar o aproveitamento de todos os alunos com uma metodologia mais homogênea e de alcance mais amplo, já que é difícil acompanhar com precisão cada aluno em cada etapa do processo. Além disso, esse recurso é também mais utilizado por restringir a subjetividade do olhar docente sobre o aluno. Portanto, frente ao desafio de avaliar cada e todos os alunos, o professor opta pela prova em detrimento de outros instrumentos de avaliação.

A problemática da gestão do tempo ganhou espaço no grupo, já que a necessidade de percorrer uma vasta gama de conteúdos de forma aprofundada imprime um ritmo de trabalho que parece, por vezes, desrespeitar o passo dos alunos. E, em vez de a avaliação acompanhar, captar e regular o processo de aprendizagem deles, é ela quem dita o ritmo de trabalho do professor. Dessa forma, o caráter regulador do ensino não ocorre a contento, pois, devido ao número de alunos, ao tempo despendido nas correções, e aos tempos da instituição, não há o prazo necessário para que sejam replanejadas as ações pedagógicas a partir dos elementos que o instrumento utilizado forneceu. O que tem sido possível, mais frequentemente, é a utilização desses dados para ajustes no planejamento do ano seguinte.

Foi sinalizado pelos professores que costumamos identificar as provas com o processo de avaliar, pois chamamos de “calendário de avaliação” ao nos referirmos ao calendário de provas, e esse instrumento acaba por determinar os tempos de aprendizagem e de ensino. Isso só reforça a ideia de que a prova é um fim em si.

Há um consenso de que é preciso diversificar os instrumentos para abarcar conteúdos diferentes, mais amplos, que vão além daqueles relacionados aos conteúdos mais específicos das disciplinas e que são nossos objetivos educacionais mais gerais. O registro de observação do professor, por exemplo, é um instrumento de avaliação tão legítimo quanto outros que utilizamos. O calendário escolar precisa contemplar atividades de avaliação que vão além das provas, pois os instrumentos institucionais não são neutros, explicitam intencionalidades, concepções.

É claro que, ao diversificarmos essas metodologias, entramos em terrenos menos conhecidos e seguros que o das provas. Afinal, apesar de os professores identificarem Asdrúbal como uma caricatura, eles também se reconheceram em várias questões levantadas pelo caso: a necessidade de explicitar claramente os critérios de avaliação, as dificuldades de organizar, acompanhar e lidar com as dificuldades inerentes aos trabalhos em grupo, assistir cada aluno em seu percurso, entre outras.

Outro tema que foi objeto da reflexão do grupo foi o papel dos feedbacks nos processos de ensino-aprendizagem. Em muitos depoimentos, evidenciou-se um conflito entre o desejo de realizá-los de forma mais frequente e/ou aprofundada e o investimento de tempo que, inevitavelmente, seria necessário para isso. Muitas vezes, o professor sente-se pressionado e fica com receio de “perder tempo” ao fazê-los, pois estaria abrindo mão do “tempo de ensinar”. Portanto, novamente, o bom uso do tempo surge como questão. Há, no entanto, a convicção, expressa em várias observações dos participantes, de que esse investimento promove valiosos frutos ao longo do processo e que a equipe como um todo deveria refletir sobre o tema. Foi apontado também que seria importante que os alunos vivenciassem a prática da autoavaliação desde a Educação Infantil. Nesse sentido, o feedback do processo de ensino e aprendizagem deve ser entendido de forma mais ampla, como um diálogo entre professor, alunos e conhecimento mediado pelos diferentes instrumentos e práticas de avaliação. Ele envolve também o estabelecimento de um vínculo de confiança e deve evidenciar e assinalar os processos metacognitivos que estão em jogo para que, aos poucos, os alunos possam ir se conscientizando, se aprimorando e se sentindo mais empoderados quanto ao uso de diversas estratégias para aquisição de conhecimentos e boas formas de pensar. Não é a ênfase nesse desenvolvimento que permitiria aos alunos e professores fortalecerem a motivação intrínseca para a aprendizagem e estabelecerem uma relação crítica em relação à cultura da nota?

Ao discutirem o material do segundo subtema, os professores enfatizaram que várias das práticas utilizadas no Colégio permitem que os alunos percebam e valorizem diversas formas de raciocínio. Ao trabalharmos com diferentes estratégias ou formas de resolução aos desafios propostos, mostramos aos alunos que não há um só caminho possível e fica mais fácil a compreensão de que pode ser benéfico ousar. O erro é, na maioria das vezes, uma tentativa de acerto e, se for encarado de maneira menos persecutória, é uma oportunidade rica de aprendizagem. O trabalho da aluna do 9º ano é exemplar ao revelar o quanto esse caráter persecutório, indiferenciado e oneroso da avaliação (os robôs sendo alertados de que estão sendo continuamente avaliados, carregando pesadas mochilas) pode estar presente na realidade escolar.

De fato, o erro é culturalmente associado ao fracasso, à falta de sucesso. É comum que a ausência de erros receba premiações e, em contrapartida, a presença deles resulte em consequências negativas. É muito importante termos clareza disso para inserirmos em nossas práticas outras vivências e reflexões que possam desconstruir e criticar essa perspectiva. Além disso, a discussão sobre o vídeo da Dr. Dweck provocou um rico debate sobre o aspecto que ela ilumina: a necessidade de avaliar os alunos de forma processual, apontando sempre que, mesmo que os objetivos não tenham sido alcançados, eles poderão vir a ser. Ainda que os professores tenham achado que a utilização do termo “não ainda” em substituição ao insuficiente não resolve o problema, ficou evidente que o professor deve enfatizar o caráter provisório da avaliação, indicando os recursos que o aluno tem, sinalizando claramente caminhos e instigando-o a superar as dificuldades. Segundo essa autora, a crença que o aluno possui, ou não, de que ele pode se desenvolver pelo trabalho e que os desafios o fazem crescer intelectualmente é crucial e deve ser foco de nossa atenção. Tal intenção precisa integrar-se ao currículo, dado o impacto que as concepções a respeito de suas potencialidades têm na constituição de sua resiliência e na promoção de uma atitude de aprendizagem contínua. Como Hadji também enfatiza, “é preciso que os alunos confiem em sua capacidade de desenvolvimento positivo, tornando-os progressivamente senhores de seu desenvolvimento”. No entanto, para que isso possa ser trabalhado com os alunos com coerência e constância, ao longo da vida escolar, é fundamental que a equipe docente tenha se apropriado dessa perspectiva.

Nesse sentido, uma professora observou que, mesmo que façamos belos discursos em relação ao erro, quando corrigimos tudo aquilo que os alunos não fazem corretamente, sem relativizar esses erros, relacioná-los àquilo que foi ensinado ou compreendê-los como um indicador do raciocínio realizado, transmitimos uma mensagem ambígua.

Apontou-se, também, que é necessário reconhecer que há diferentes tipos de erros. Alguns podem ser utilizados pelo professor como um recurso potente, pois são erros que permitem gerar conflitos nos alunos. Ao destacá-los e permitir que os alunos reflitam sobre eles, o professor pode promover avanços na aprendizagem de todos. Entretanto, há outros erros que não têm a mesma característica e alcance. Eles podem ser caracterizados como descuidos e desatenções por parte dos alunos. Tais erros apontam para a necessidade de ajudá-los a desenvolverem mecanismos de revisão de sua própria produção para detectá-los e autocorrigirem-se.

Apesar de todas as considerações feitas sobre a necessidade de lidar de maneira mais natural com os erros, o meio em que estamos inseridos dificulta bastante isso. A pesquisa com os docentes indica quão arraigada a conotação negativa do erro está no imaginário dos próprios professores. Nessa tensão entre a necessidade de uma abordagem diferenciada e as cobranças de acerto e sucesso, as notas e o caráter certificador das avaliações contribuem para fortalecer o medo de errar.

Vários relatos foram feitos no sentido de evidenciar práticas que endereçam essa questão, seja potencializando as trocas entre os alunos, propondo a eles desafios diferenciados, seja inovando as formas de devolução de atividades avaliadas. Também se chamou a atenção para a necessidade de incluir uma diversidade maior de materiais para analisar a produção dos alunos (portfólios, apresentações orais, trabalhos em grupo, materiais de registros, observações de classe), pois eles evidenciam várias modalidades de aprendizagem e permitem identificar o que o aluno sabe a partir de diferentes formas de expressão, em variados contextos e de modo processual.

O grupo convergiu para a seguinte perspectiva: para que a avaliação possa assumir um caráter investigativo para o professor, ou seja, para ele compreender que ela oferece subsídios para analisar o que e como cada aluno está aprendendo, o que e como é preciso investir no ensino, ou ainda, para que a avaliação possa ser usada pelo professor para replanejar seu trabalho visando à aprendizagem dos alunos, é preciso considerar o erro como elemento fundamental do trabalho. Salientou-se a necessidade de uma relação de maior intimidade e um olhar mais amistoso para com essas situações em que os alunos nos trazem suas fragilidades. Dessa forma, podemos ajudá-los a terem maior consciência de suas potencialidades e de seus desafios e isso favorece um engajamento maior deles com o seu desenvolvimento enquanto estudantes.

Essas reflexões também trazem certo incômodo em relação às notas ou conceitos nos boletins, uma vez que dificilmente expressarão a complexidade do processo de cada um. Esse é o lado certificador da avaliação, que contribui para que os alunos se sintam tão pouco à vontade para compartilhar suas dificuldades. Será que não há um excesso de notas ao longo do ano letivo? Será que o aspecto certificador não poderia aparecer só no final do processo? Será que, se houver maior investimento em instrumentos parciais, qualitativos, e que permitam captar o processo, os feedbacks não ajudariam o aluno a se autorregular de forma mais eficaz? Chamou-se a atenção, também, para a necessidade de incluir as famílias nessas reflexões sobre a visão pouco construtiva do erro. Afinal, trata-se de uma mudança de mentalidade em que todos nós estamos imbricados.

Nos grupos que discutiram o terceiro subtema, foi apresentado um projeto em que professores de escolas públicas convidaram seus alunos a criarem simuladores digitais que seriam colocados na web à disposição de outros alunos e professores. A avaliação, totalmente processual, utilizou dois instrumentos: ata e rubrica. A rubrica corresponde a uma tabela em que se definem critérios objetivos de avaliação e pode ser utilizada pelo professor, pelo aluno (autoavaliação) e pelos colegas (coavaliação). Esse projeto suscitou vários questionamentos: nossos alunos sempre têm clareza dos critérios de avaliação? Nós temos praticado a autoavaliação e a coavaliação? O aluno é instigado a observar e narrar o seu processo? A avaliação pode ser uma alavanca para o autoconhecimento?

Resgatando essa questão, uma professora afirmou que acreditava, sim, que a avaliação pode impulsionar esse movimento, mas que seria importante favorecer atividades voltadas a promover esse conhecimento do próprio processo por parte dos alunos. No entanto, nos diferentes segmentos, não temos uma prática sistemática de autoavaliação ou de coavaliação. Essa é uma construção coletiva e que deveria ocorrer em todos os momentos da escolaridade, desde que formulada e adequada a cada um deles. Em um contexto em que há um grande número de alunos, essas metodologias, associadas ao bom uso da tecnologia, podem ser potencializadas, e isso poderia se constituir num interessante campo de investigação de novas estratégias de avaliação. Consideramos que tanto os professores são capazes de refletir e fazer propostas nesse sentido, como os alunos têm plenas condições de se autoavaliarem, se tiverem mais oportunidades para exercitar práticas nessa direção.

Os professores observaram também que, nas reuniões de Conselho de classe, a avaliação é coletiva e enfatiza outros aspectos do desenvolvimento dos alunos. No entanto, trata-se ainda de heteroavaliação, pois são os professores que avaliam os alunos. Como favorecer que o aluno participe mais efetivamente de sua avaliação? Como garantir que os alunos ganhem autonomia ao se autovaliarem? Isso deveria ser um objetivo do nosso ensino. Dessa forma, a aprendizagem teria mais significado, pois o aluno sentiria mais claramente a sua responsabilidade no processo. Afinal, será possível contribuir na formação de um cidadão crítico, autônomo e solidário, sem que ele atue em sua própria aprendizagem e na de seus colegas?

Segundo experiência relatada pelos participantes, devolver uma prova com uma nota, ou com uma nota acompanhada de um comentário, não faz necessariamente com que o aluno se detenha para analisar sua produção e amplie seu olhar para o próprio processo. Entretanto, devolver uma prova apenas com comentários pode propiciar um olhar mais cuidadoso e curioso do próprio aluno para aquilo que ele foi capaz de realizar. Nesse sentido, foi apontado que seria interessante, por exemplo, devolver provas apenas com comentários ou correções (com códigos compartilhados entre todos), para que cada aluno analisasse sua produção, seus erros e acertos e pudesse, até, vir a propor um conceito.

Outras questões, mencionadas a seguir, foram colocadas: nas séries finais, grande parte da avaliação é composta por provas que são devolvidas aos alunos depois de um considerável período de tempo. Quando ocorre a devolução, porém, o aluno já está em outro momento, o que limita seu potencial para promover a reflexão sobre seu processo. Será que não poderíamos usar o dia seguinte (ou um momento mais próximo) à aplicação da prova para propor que os alunos a revisem/refaçam/retomem? Não seria o caso de apagar o que já foi feito, mas essa prática poderia propiciar um novo momento de aprendizagem.

Foram relatadas também experiências de correção de textos em que o aluno, ao receber sua produção, tem a possibilidade de retomá-la, se assim o quiser. Ao refazê-la e aprimorá-la, pode ter sua nota melhorada. Entretanto, se isso não fizer parte da cultura de avaliação da escola, essa prática acaba sendo subutilizada por grande parte dos alunos, os quais se contentam apenas em obter resultado suficiente para serem aprovados.

Em suma, houve reconhecimento da relevância do tema e de que a abordagem foi feliz em suscitar questionamentos, reflexões e anseios por mudanças. Os professores consideram que se debruçar sobre o sistema de avaliação da escola é fundamental, pois esse é um ponto nevrálgico de nosso trabalho, e apontaram a necessidade de continuidade das discussões sobre esse tema ao longo do ano. Sugerem que façamos momentos voluntários e abertos. Seria interessante que criássemos uma cultura de autorregulação entre os professores. Há a percepção de que precisamos instituir outros fóruns de conversa para que possamos lidar com questões que afligem a todos e das quais não se pode cuidar de forma efetiva individualmente. Se intencionamos fomentar metodologias ativas que impliquem mais efetivamente os alunos nas diferentes situações de aprendizagem, precisamos também constituir práticas avaliativas que não favoreçam a sua passividade e alienação, mas, ao contrário, promovam reflexão e compromisso com o seu próprio desenvolvimento.