IV Congresso do Colégio Santa Cruz jan/17

A autorregulação do ensino e da aprendizagem, o papel dos feedbacks e a constituição da identidade do aluno


Como evitar a confusão entre resultado e representação de si? Será que há um excesso de notas ao longo do percurso escolar? Como potencializar a motivação intrínseca e a autorregulação da aprendizagem?

Como fortalecer o caráter investigativo da avaliação e a autorregulação do ensino? Como realizar isso em um contexto com muitos alunos? Qual o papel que a tecnologia pode desempenhar para aprimorarmos a avaliação?

Trabalho de aluno do 5º ano sobre o percurso escolar.
Stencil de aluna do 9º ano sobre avaliação.
Como criar ambientes propícios à autorregulação no processo de aprendizagem? Um caso: LabVirt
Baseado em trechos do texto: “METACOGNIÇÃO E SUCESSO ESCOLAR: ARTICULANDO TEORIA E PRÁTICA” Claudia Davis, Marina M. R. Nunes e Cesar A. A. Nunes . Publicado em Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago. 2005

Projeto: O Laboratório Didático Virtual – LabVirt (Nunes, 2002) é voltado para o ensino de Física no ensino médio. Alunos de escolas públicas, durante o período normal de aulas e dentro dos assuntos curriculares, são convidados a propor situações-problema que poderão ser utilizadas para ajudar na aprendizagem de outros alunos. Os problemas criados pelos alunos deveriam ser formulados em um formato de roteiro que, fazendo uso dos conceitos da Física, nortearia a elaboração de uma situação-problema, a ser programada sob forma de simulação para uso em computador.

Avaliação: Foram propostos dois instrumentos – ata e rubrica – que seriam construídos ao longo do projeto, de modo a auxiliar o professor a acompanhar o trabalho dos alunos em um projeto novo, que ainda não lhe era familiar.

A ata teria a finalidade de fazer com que professores e alunos acompanhassem o funcionamento do grupo e de cada um de seus participantes. A elaboração da ata, juntamente com o desenvolvimento do trabalho em equipe, deveria obedecer a uma definição de papéis que se alternariam a cada aula (anotador, mediador, cronometrista etc.) e todo o processo deveria ser registrado.

A rubrica auxiliaria na definição de critérios objetivos de avaliação, os quais foram anunciados para os alunos. Esse instrumento foi fundamental para assegurar aos professores e alunos parâmetros para o acompanhamento do processo, além de ter sido um recurso importante para que os alunos ganhassem maior consciência das aprendizagens envolvidas.

Esse projeto procurou investir e enfatizar os processos metacognitivos na aprendizagem. Vejamos como isso ocorreu, discutindo a sequência didática de um professor que trabalhou o tema “queda livre” com seus alunos.

1ª aula: Propondo a tarefa

O professor começa com a apresentação da proposta de trabalho e de avaliação. Inicia com a classe uma discussão sobre queda-livre, utilizando como mote a queda de vasos de diferentes tamanhos que caem de diferentes janelas. Ao final, os alunos se autoavaliam utilizando a rubrica, procedimento que se repetirá em todas as demais aulas. Além disso, todas as aulas também deverão ser registradas em ata.

Movimento retilíneo uniformemente variável
Rubrica: Queda-livre
Critérios 4 3 2 1 Pontuação
Domínio dos conceitos e procedimentos da Física Conhece os conceitos de queda-livre, aplica-os em situações simples ou reais e mais complexas Conhece os conceitos de queda-livre, mas só sabe aplicar em situações simples propostas Conhece os conceitos de queda-livre, mas não sabe aplicá-los Não sabe aplicar as funções do MRUV na queda-livre
Originalidade A ideia e a encomenda são inovadoras e originais O trabalho (ideia) é uma modificação de algo existente e a encomenda é autêntica A ideia é cópia, mas a encomenda é original O trabalho é cópia total
Relacionamento social Contribui, compartilha muito com o grupo: motiva e esforça-se para manter o grupo coeso e incluir colegas com dificuldades de comunicação e conteúdo Contribui e compartilha razoavelmente com o grupo Contribui ou compartilha apenas superficialmente com o grupo Não contribui com o grupo por não fazer nada ou por não querer compartilhar seus conhecimentos
Pontualidade Sempre entrega as terefas pontualmente Quase sempre entrega as tarefas no prazo Quase sempre entrega as tarefas com atraso Não entrega as tarefas
Capacidade de expressão É convincente e se expressa com facilidade, utilizando os conceitos da Física Expressa-se satisfatoriamente Não se expressa claramente: é confuso Não articula nem expressa suas ideias

2ª aula: Motivando e oferecendo modelo

O uso de simulações para motivar, introduzir assuntos, visualizar efeitos complicados e desafiar concepções espontâneas é o núcleo central dos trabalhos desenvolvidos no LabVirt. A partir desse modelo de simulação, os alunos estão em condições, ainda que nem sempre tenham consciência disso, de representar mentalmente um problema de queda-livre. Começam, então, a esboçar seus próprios roteiros para as simulações.

3ª aula: Explicando com vocabulário preciso

O professor explica o conceito científico, relacionando-o à teoria de movimento uniformemente acelerado. Pede, então, a resolução de uma lista de exercícios de modo a propiciar a consolidação das noções aprendidas. Percebe-se, aí, a presença de outros recursos necessários para se construir uma cultura do pensamento: a explicação clara e o vocabulário preciso e partilhado por todos da classe.

4ª aula: Recorrendo a estratégias de pensamento

O professor solicita aos alunos que enunciem e resolvam as situações-problema que criaram, fixando valores pertinentes para as variáveis-chave.

5ª aula: Aprendendo com o erro

O professor dedica toda a aula para discutir a solução encontrada em cada grupo. O professor acompanha o trabalho dos diferentes grupos, esclarecendo dúvidas, mostrando as implicações de se seguir determinado raciocínio, demandando as evidências que dão apoio às conclusões, ajudando, enfim, os estudantes a vencerem suas dificuldades e a aprenderem com os erros cometidos.

6ª aula: Caminhando do nebuloso ao nítido

Os alunos começam a transformar suas ideias, esboços, enunciados e resolução dos problemas em encomendas de simulação. Após concluída essa fase, realizam uma avaliação do trabalho de seus pares: cada grupo analisa a encomenda de outro grupo, fazendo uso da mesma rubrica adotada para a autoavaliação. Nesse processo, apontam como as propostas de encomenda de simulações podem ser aprimoradas (indicando dados que faltam, percebendo falhas entre as etapas, sugerindo melhorias na linguagem etc.). A experiência tem mostrado que os alunos são bastante críticos, fornecendo comentários pertinentes que economizam tempo do professor em correção e revisão.

7ª aula: Construindo uma autoimagem de aprendiz competente

Quando as simulações ficam prontas, em geral duas semanas após o envio da encomenda, a aula consiste em “ver e comentar” coletivamente as simulações já acessíveis via internet. Os pontos importantes dessa avaliação consistem em propiciar ocasião de interação e feedback de alunos e professores a respeito do produto final de seu trabalho. Perceber que a sua proposta foi compreendida por outros que a transformaram em animações passíveis de promover novas aprendizagens em novos alunos parece ser uma experiência extremamente gratificante. Conclui-se o trabalho, portanto, com os alunos sentindo que são aprendizes competentes, algo que lhes incita a enfrentar novos e maiores desafios.

Trecho do texto Fundamentos para uma avaliação educativa, de Alípio Casali.

“A avaliação heteronômica é um paradoxo também porque só pode efetivar-se na medida em que o sujeito avaliado reconhecer a si mesmo minimamente na representação feita pelo outro. Toda heteroavaliação, pois, pressupõe uma certa capacidade de autoconhecimento, autoavaliação, autoformação, ao mesmo tempo que os visa como produto final. O formado e, portanto, o avaliador, é idealmente um sujeito que se desenvolveu e se conheceu o suficiente para inverter os papéis e ser capaz de orientar (avaliar) outros. O ponto mais crítico do processo é a identificação de novas possibilidades de ser, capazes de mobilizar o sujeito a alterar-se (aquilo que Vygotsky chamou de zona de desenvolvimento proximal) e alterar a situação-problema.”

CASALI, Alípio. Fundamentos para uma avaliação educativa. In: CAPPELLETTI, Isabel (Org.). Avaliação da aprendizagem: discussão de caminhos. São Paulo: Editora Articulação Universidade / Escola, 2007.

A partir do material disponibilizado, propusemos que o grupo discutisse os pontos a seguir:

- É possível formar cidadãos autônomos e aptos a tomarem boas decisões se não aprenderem “como se faz para saber” e “como se sabe para fazer”?

- É possível contribuir na formação de um cidadão crítico, autônomo e solidário, sem que ele atue em sua própria aprendizagem e na de seus colegas?

- Poderíamos pensar na avaliação como alavanca para o autoconhecimento?

- Como a avaliação pode estar a serviço de promover o desenvolvimento global das potencialidades dos alunos, fomentando o desejo de conhecer, aprender e superar dificuldades?

- E, ainda, podemos pensar no conjunto de experiências escolares com a avaliação como ferramenta de construção de identidade para crianças e jovens?